A morte do Mediador - A Consciência de Jesus
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A consciência de Jesus
Nos estudos teológicos modernos, às vezes nega-se que Jesus soubesse que precisava morrer, mas basta observar os Evangelhos para perceber que ele sempre teve essa consciência.
Quando pela primeira vez os discípulos liderados por Pedro reconheceram que Jesus era o Cristo, o mestre fez questão de lhes dizer: “É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, ressuscite” (Lc 9.22, Mt 16.21). É interessante que Jesus tenha dito: “É necessário”. Ele tinha o entendimento de que precisava morrer pelos pecados dos seres humanos.
Pedro, na mesma ocasião, se ofereceu para dissuadi-lo dessa idéia, conforme Mateus relata: “E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá” (Mt 16.22). A reação de Jesus foi imediata: “Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”(Mt 16.23). A resposta de Jesus refletiu o entendimento de que pelo homem aquilo jamais aconteceria, mas por Deus, sim. Sua morte era necessária, era coisa de Deus, ele tinha plena consciência disso.
Jesus Cristo não veio enganado, ele tinha perfeita consciência do que teria de passar (Is 53). Jesus sabia que a sua vida de obediência espontânea ao Pai tinha como rota obrigatória a cruz. Ele sempre soube que não havia desvios nem atalhos, a cruz era a sua missão, a única alternativa para a salvação do seu povo. Jesus conhecia as profecias do Antigo Testamento, que, desde Gênesis 3.15, já indicavam as dores do Messias (ver Lc 24.26,46; Is 53.1-12; At 3.18; Jo 17.1-3; 1Pe 1.10,11).
Em geral, Jesus falou sobre sua morte nos momentos de maior glorificação aqui na terra. Ele fez isso quando os discípulos o reconheceram como Messias. É importante lembrar que eles esperavam um libertador político, e Jesus fez questão de dizer que a sua morte era necessária. Mesmo quando anunciava a sua segunda vinda gloriosa sobre as nuvens, (Lc 17.24), ele advertia: “Mas importa que primeiro ele [o Filho do Homem] padeça muitas coisas e seja rejeitado por esta geração” (Lc 17.25).
Ele tinha a noção clara de que o seu sofrimento precisava acontecer para se cumprir o que estava determinado: “Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: Ele foi contado com os malfeitores. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido” (Lc 22.37).
Ele não só entendia que precisava morrer, como também a maneira como morreria e a razão: “E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado”(Jo 3.14). A serpente de bronze foi levantada sobre uma haste, como um antídoto contra a picada das serpentes que feriam o povo de Deus, por causa da rebelião (Nm 21.4-9). Jesus entendia que seria levantado como um instrumento de cura para os pecadores; a sua morte seria um antídoto contra o pecado.
Jesus sabia que a sua morte era necessária para implantar o reino de Deus no mundo. Por isso, mesmo sentindo a dor da partida e vendo a tristeza nos olhos de seus discípulos quando anunciava essas coisas, lhes disse: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.6,7). A partida (morte) de Jesus era necessária para que o Espírito Santo pudesse ser enviado e completasse a obra da redenção.
O momento em que Jesus demonstrou a maior consciência da necessidade de sua morte talvez tenha sido o seu maior momento de dúvida. Estamos falando do episódio do Jardim do Getsêmani. Nessa noite, todo o pavor do mundo caiu sobre ele. Jesus estava angustiado, não pelo que muitos gostam de enfatizar porque estivesse com medo do sofrimento físico, dos pregos, da agonia da morte ou do ridículo público. Por mais que essas coisas fossem terríveis, seu temor era por algo muito pior do que todas elas juntas.
Jesus se angustiava pela expectativa de receber sobre si o peso da maldição dos pecados dos homens e, por causa disso, ser abandonado por Deus. Em toda a eternidade, nunca houve um instante em que ele não pudesse contemplar o rosto amoroso de seu Pai, mas agora esse momento estava muito próximo. Daí suas palavras: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26.39).
Ele perguntou a Deus se não haveria alguma outra possibilidade de o mundo ser salvo, sem que precisasse enfrentar a cruz, mas ele mesmo sabia a resposta, por isso orou novamente: “Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade”(Mt 26.42). É evidente, portanto, que Jesus entendia a sua missão de morrer pelo mundo, como está claro em todas essas passagens.
Outras passagens dos evangelhos sinóticos demonstram a consciência de Jesus a respeito de sua morte expiatória. Por exemplo, Marcos 10.45: “Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (ver Mt 20.28). Se Jesus sabia da necessidade da sua morte, é inimaginável que não soubesse o propósito dela. Se ele falou a seus discípulos do serviço, e falou do seu próprio ministério como serviço, é natural que ele estivesse pensando no cântico do servo de Isaías, e pensando no seu próprio chamado à luz disso.13
O mesmo pode ser visto nas palavras de Jesus em Marcos 14.24 (ênfase acrescentada): “Então, lhes disse: Isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos” (ver Mt 26.28). A evocação à questão da aliança é fundamental para entender o sentido do sangue derramado. O Deus que estabeleceu a aliança, e que assumiu a responsabilidade por ela diante de Abraão, foi o Deus que enviou o seu Filho para assumir a maldição da aliança. O próprio Deus assumiu a responsabilidade pelo cumprimento ou pelo não cumprimento da aliança.14 Agora, pelo sangue de Cristo, o mediador, a aliança poderia ser renovada. É nesse sentido que ela é chamada de nova aliança.
Essas passagens demonstram claramente a consciência de Jesus a respeito da sua morte e, como diz Warfield “as questões críticas que têm sido levantadas sobre essas passagens são negligentes”.15 Jesus sabia da necessidade de sua morte, e do motivo dela.